Sozinho

Poemas adolescentes

Estou sozinho no mundo
sem Deus
sem ninguém.
Nada me resta ou me espera
além da parede fria
a não ser a terra
que me reservaram.

Há muito descobri
no quarto
o fim do caminho.
Descobri em mim
uma fraqueza invisível
descobri que era pobre
pobre de ideias
de vida
de sonhos
de amanhecer.

Estou sozinho no quarto.
Estou sozinho na cama
fumando um cigarro.
Estou sozinho
com fotografias
revistas
livros lidos e relidos
baratas tontas
aranhas tecedeiras
ratos barulhentos.

Da parede fria Natalie Wood
me olha
com sua boca erótica
seus olhos profundos
e essa estranha marca
em seu rosto
como uma máscara
que tira dos meus olhos
tensos
seu jeito de vagabunda.

Estou sozinho
sem desejos
sem excitações
sem Natalies.

Há muito perdi as forças
há muito as pernas fraquejaram
há muito dormi com mulheres
ganhei dinheiro
ganhei sorrisos
há muito!

Tenho 521 anos
e estou sozinho
no quarto
e no mundo.
Estou sozinho
sem Deus
sem ninguém.
São Paulo/SP-28outubro1974

Antonio Medeiro

Tempo

Poemas adolescentes

Tempo:
verde
amarelo
vermelho
o farol fechando
o carro parando
o povo que passa
a faixa branca.

A rua:
apenas isto!

Tempo:
nas velhas formas procure
do contemporâneo a ideia
nos ponteiros controle
em nós as mudanças
depois fique insatisfeito
pare
olhe
sinta o vácuo.

Tempo:
espaço para o oriente
com desequilíbrio emocional.
O ocidente neurótico
requer para si o suave
de todas as calmarias
enquanto nós descontentes
ganhamos num grito o tempo.

Tempo:
um
dois
três
bum!
A bomba explodiu
os jornais em mim
atrás do tempo o delírio
do povo que chora
e ri.

Nas velhas formas rebusque
do contemporâneo a ideia
sinta nos pulsos o medo
de a liberdade fugir.

Tempo:
pronto!
Aí está o futuro.
Pense
Pense
mas não fale!
Guarde pra si seus anseios
porque na rua acontece
as mesmas coisas de sempre:
o farol fechando
o carro parando
o povo que passa
a faixa branca
tendo ideias
de como é ruim o trânsito.
São Paulo/SP/13setembro1973

Antonio Medeiro

Não vá

Poemas adolescentes

Quando a noite chega, ela diz:
fique! não vá.
Não deixemos o amor
pra depois de amanhã,
que o amor não pode esperar.

Indiferente a todos
os pretextos do mundo
eu me levanto
e caminho para a porta.

Levo a mão na maçaneta,
depois paro –
de costas para o quarto –
como a medir subitamente
a distância entre mim e a vida.

Não vá! sussurra ela,
inventemos a eternidade
deixe a noite para os mortais.

O eterno apresenta-se
aos meus olhos
em perspectivas sensuais.

Viro-me,
gesto mecânico de milhões de anos
descoberto por amantes noturnos
e caminho humildemente triste
para a cama.

Ela sorri.
Fique! o amor não pode esperar.
Seus braços me aprisionam
num aperto de reprovação.

Enquanto lá fora
chove uma angustiante chuva
de abandono,
à parte de todos os
“não vá!” da vida.
03:07-são paulo/sp-23abril1974

Antonio Medeiro

Tudo de novo

Poemas adolescentes

Tudo tinha morrido em mim,
os temas do amor, do coração,
até a forma daquele rosto
tinha morrido em mim
e ontem eu a vi,
e nasceu tudo de novo em mim.

Ontem eu olhava para o mundo,
com aquele meu olhar de tristeza,
ela passou, eu olhei,
meus olhos se tornaram estrelas,
e nasceu tudo de novo em mim.

Meu peito queima novamente,
nele tudo é um só desejo:
seu olhar, seu sorriso, seus lábios,
tudo de novo em mim,
não posso mais fugir do meu passado,
ele está no meu presente.

Tudo tinha morrido em mim,
até os motivos do amor
tinham morrido em mim,
e ontem eu a vi:
o velho amor, a velha razão de viver,
nasceu tudo de novo em mim.

Tudo de novo em volta de mim,
não posso mais fugir do meu passado,
ontem eu a vi,
e nasceu tudo de novo em mim.
são paulo/sp-04julho1973

Antonio Medeiro

Traição

Poemas adolescentes

Há uma traição no ar pairando
há um punhal
o sangue
a lama
há um ser agonizando
junto à mulher e à cama.

Há um amor no ar pairando
há um ser
o sangue a lama
há uma traição agonizando
nos olhos de quem se engana.

Há um delírio na festa
a cama
há dois olhos soluçando
há um desejo assassino
no rosto de quem se ama.

A traição se fez em chama
fez-se punhal no âmago
pra lançar sangue na lama
desse peito em desencanto.

Fez-se lama o desencanto
no peito da mulher que ama
fez-se da traição um espanto
nos olhos de quem é chama
no rosto de quem se ama.

Fez-se sangue a dor alheia
deixando suor na testa
quando do delírio da cama
fez-se da traição a festa.

Fez-se de festa o desengano
fazendo de sepulcro a cama
quando não mão de quem ama
brilhou o punhal da vingança.
são paulo/sp-20dezembro1974

Antonio Medeiro

Tudo em forma de nada

Poemas adolescentes

Tudo por um amor vivido
tudo!
O resto não interessa
ao contexto existencial.

Já fui um deus
e agora seria idiota:
essa doença de homens de meia-idade,
esse receio de menino respondão,
esse medo de quem ama.

Já fui um deus e não tive paraíso,
tive um lugar desencontrado,
um desespero alucinado
uma filosofia de homem.

Dormi!
Um dia acordei com o espelho na cara.
A mulher me olhava e me lambia,
sussurrava,
urrava
e se contorcia.

Era o amor que chegava depois do sono,
era meu universo em julgamento,
era tudo!

Até deus riu de mim,
me abandonou.

Fiquei vazio,
esse vazio de homem de meia-idade,
esse vazio de quem nunca amou,
esse vazio de quem tem um câncer.

Senti-me vazio,
mais aprendi coisas belas:
como olhar um rosto e me fazer entender,
como escrever um poema e a mulher amada ler,
como morrer com um sorriso nos lábios.

Preenchi minha vida com um resto de amor,
com um resto de calor.
E sorriram de mim –
pobre de mim!

Já fui um deus e não tive paraíso,
tive uma mulher adormecida,
tive um amor atormentado,
tive uma ilusão rondando minha vida.

Nunca tive um trono,
tive o mundo para me sentar.

Aprendi,
sofri,
amei,
e me perdi!
São Paulo/Sp-05Fevereiro1975

Antonio Medeiro

A hora do tigre

A hora em que o tigre desta rua
rugir cansado de esperar
é sinal que a vida muda
que um novo dia há de raiar.

O homem que conheço não conhece
a força de um tigre a esperar
não sabe que ele quando quer
joga as grades no chão sem se esforçar.

O tigre que conheço não conhece
a força de um homem a esperar
não sabe que ele quando quer
joga as grades no chão sem se esforçar.

O homem e o tigre que conheço
não conhecem suas forças de atração,
rugem daqui, gritam dali
sem contudo saber o que é razão.

Na certa o tigre há de sair,
na certa o homem há de o pegar
mas a certeza que se tem
é que os dois vão se matar.
Cássia/Mg-Dezembro1978

Antonio Medeiro